O que está acontecendo com a Geração Z?
Seguindo a trilha aberta por Jonathan Haidt, em seu recém-lançado Anxious Generation, nesta newsletter vamos conversar sobre as estatísticas alarmantes de doença mental entre adolescentes e jovens.
Para quem tem filhos com idades entre zero e vinte e poucos anos, assim como para quem trabalha com a educação de crianças e jovens, não creio que possa haver tema atualmente mais relevante e desafiador do que aquele que será objeto desta e das próximas newsletters. Trata-se do declínio drástico na saúde mental da chamada Geração Z, aquela formada por pessoas nascidas entre os anos de 1997 e 2012, ou seja, com idades entre 12 e 27 anos. (Para quem não conhece essa nomenclatura, a geração Z sucedeu a geração Y, os chamados Millennials, nascidos entre 1980 e 1996. Já a geração seguinte, comumente chamada de Alfa, seria a das crianças nascidas depois de 2012.)
Em fevereiro do ano passado, quando o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) publicou parte dos resultados do último relatório do seu Sistema de Vigilância para Comportamentos de Risco entre Jovens (YRBSS), pipocaram na mídia notícias e matérias sobre esse assunto.
Segundo o relatório do CDC, a maioria das meninas afirma ter experimentado tristeza ou desesperança persistente (57%), contra 36% em 2011. Além disso, 30% das meninas norte-americanas já consideraram o suicídio (contra 19% em 2011). Quanto aos meninos, embora sua saúde mental também esteja em evidente declínio, os níveis de ansiedade e depressão estão abaixo daqueles apresentados pelas meninas.
Um dado importante - e contraintuitivo - é que a pandemia de Covid-19 não teve um impacto significativo nessa tendência, que se iniciou por volta do ano de 2012. Ou seja, antes da pandemia a Geração Z já estava hiper conectada, e seus padrões de sociabilidade presencial enfraquecidos. A hipótese que vem ganhando cada vez mais adeptos é a de que o declínio da saúde mental entre os jovens da geração Z está relacionado com a popularização do smartphone (e também da banda larga e das redes sociais com conteúdos hiper virais).
Embora essa geração já tenha nascido em meio tecnológico (computadores, tablets, aparelhos celulares), os dados apontam para o surgimento de uma descontinuidade significativa justamente no início da década passada, quando a posse do smartphone se generalizou. Com efeito, os resultados dos relatórios do CDC constatam que os níveis de ansiedade e depressão começaram a se intensificar em 2012, para ambos os sexos, sendo as meninas aparentemente um pouco mais afetadas do que os meninos.
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Do ponto de vista existencial, os sintomas desses altos índices de depressão e ansiedade variam, desde a irritação, agressividade e apatia até, nos casos mais graves, a automutilação, ideação suicida e suicídio de fato. O que temos no horizonte é toda uma geração exposta a condições afetivas, sociológicas e culturais com potencial de lhes impingir uma dor emocional tão intensa que só pode ser aliviada pela dor física ou, nos casos mais extremos, pela autodestruição. Ainda mais aflitivo é constatar que tudo isso vai sendo de certo modo naturalizado, mesmo entre os que não se encontram no grupo mais vulnerável.
Conversei com alguns jovens sobre a prática de automutilação entre colegas ou conhecidos e fiquei surpresa ao constatar uma diferença muito grande entre a nossa percepção (de adultos) e a deles. Mesmo que nunca tenham cogitado se cortar, os jovens da Geração Z não veem nessa prática um sinal absolutamente evidente de desordem interior. Eles a encaram como algo que faz parte de uma estética existencial. O que para nós, adultos, parece representar um pedido de socorro, ou pelo menos um discurso pungente sobre a dor de existir, para eles parece traduzir apenas um certo tipo de relação melancólica com a vida. Considero essa representação quase tão preocupante quanto a prática à qual ela se refere.
Mas o primeiro passo no enfrentamento de qualquer problema é entendê-lo em toda a sua extensão e profundidade. Embora a visão do sofrimento de crianças e jovens seja algo doloroso e difícil de se lidar, não podemos nos deixar levar pela histeria e pela precipitação. É claro que a hiper conexão não explica tudo, mas já são suficientemente contundentes as evidências de que ela representa um fator de extrema relevância. Basta observarmos o que acontece à nossa volta!
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O ideal de tela zero, defendido por muitos especialistas, é uma possibilidade a ser considerada. Eu mesma flertei muitas vezes com ele, tão logo me deparei com a necessidade de decidir se, quando e como eu permitiria aos meus filhos ter acesso pessoal à internet. Mas, no caso da minha família - e aqui me refiro ao nosso estilo de vida e à nossa ambiência social e cultural - a opção por bloquear o acesso às telas sempre me pareceu radical demais. Eu temia que meus filhos ficassem demasiadamente isolados.
Para quem não sabe, tenho dois filhos: um de 20 e o outro de 11 anos. Com cada um vivi dilemas diferentes em relação às telas, não só devido às suas próprias características individuais e relacionais, mas também porque, num intervalo de nove anos, a própria configuração do “problema das telas” sofreu alterações. Com o mais velho, a preocupação era basicamente o tempo de tela e o risco de que ele entrasse em contato com estranhos nos jogos online e nos chats que se formavam em torno deles. A possibilidade de contato virtual com pedófilos era o que mais assustava os pais há dez anos atrás. Com o caçula, o escopo da preocupação se ampliou.
Agora, além do problema do tempo de tela e da possibilidade de contato direto com pessoas nefastas, sejam predadores de caráter sexual ou (i)moral, o próprio conteúdo veiculado pelas redes sociais tornou-se nefasto e impróprio em vários sentidos. Hoje em dia, sem um controle parental absolutamente rígido, uma criança com acesso ao YouTube ou ao TikTok fica permanentemente exposta à pornografia, violência, linguagem chula, critérios estéticos irreais, estímulos ao consumo, para não falar de produções audiovisuais ou musicais de extremo mau gosto. Isso sem falar do boost contínuo de dopamina, que os torna mais dispersos, mais impulsivos e menos resistentes ao tédio. Ou seja, a criança fica exposta a tudo aquilo que nós consideramos impróprio ou desfavorável ao bom desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral.
Porém, não conseguimos fazer frente a essa situação se nos deixamos levar pela histeria e pelo recurso a soluções precipitadas e insustentáveis a médio e longo prazo. As estratégias precisam ser bem pensadas e circunstanciadas. Com informação e inteligência, é possível proteger nossas crianças e adolescentes dos efeitos nocivos do acesso às telas, defendendo-os de um algoritmo que sempre parece trabalhar contra nós. Não digo que seja uma batalha fácil. Esse controle exige presença, persistência, dedicação diária. É um trabalho de amor.
Fiquem comigo, vamos conversar, trocar ideias e aprofundar nossa capacidade de ação. Quero compartilhar com vocês, inicialmente, a minha leitura do trabalho realizado por pesquisadores que têm se dedicado com afinco a esse tema ou a temas correlatos. O principal deles é Jonathan Haidt. Psicólogo Social e professor de Liderança Ética na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque, Haidt é um dos grandes nomes da batalha que está sendo travada na Europa e nos EUA contra os abusos das plataformas digitais. Ele é autor do recém-lançado Anxious Generation: How the Rewiring of Childhood is Causing an Epidemic of Mental Illness, livro que já está na lista dos mais vendidos de não-ficção do NYT.
O movimento de conscientização a respeito dos efeitos nocivos da hiper conexão à internet na saúde mental da Geração Z, do qual Haidt é um dos expoentes, não é somente crítico, ele é também propositivo. Nas próximas newsletters, vamos conversar sobre dados trazidos à luz por Anxious Generation e sobre as propostas de ação defendidas no livro. Não há motivos para crer que os dados do último relatório do CDC não nos digam respeito, a nós, brasileiros urbanos. Para quem ainda não percebeu o quanto as nossas crianças e os nossos jovens estão sendo afetados pela hiper conexão, sugiro a leitura do artigo de Jon Haidt e Zach Rausch aqui no Substack, no qual eles afirmam que a crise na saúde mental da Geração Z é internacional.
Até breve, com mais sobre o tema.
Um abraço,
Cristiane
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Realmente é um trabalho árduo e às vezes tenho a sensação de que nós, pais, não temos dimensão do perigo. Retardei ao máximo o celular para meu filho, que hoje tem 13 anos. E já estou vendo este comportamento de ficar no YouTube se intensificar.
Muito bom seu texto Cristiane! Essa é uma questão que me preocupa bastante. Meus filhos ainda são pequenos, não têm celular. Mas e quando tiverem? Como equilibrar e controlar tudo isso? Questionamentos que estou sempre me fazendo e pesquisando sobre. Grata!