Educar uma criança é conduzi-la para a frente e para o alto
Neste texto, compartilho a minha visão sobre o sentido da educação.
Quem me conhece sabe — e, se você é novato por aqui, eu te conto: o meu tema de vida e trabalho é a formação da pessoa. Tudo o que leio, estudo, assisto, é filtrado por essa lente. Em tudo o que vejo, procuro: como essa pessoa chegou a ser desse jeito?
Se eu tenho uma obsessão, é esta: entender como uma pessoa chega a ser o que ela é, compreender o caminho do ser ao vir-a-ser. Ou melhor: do ser ao dever-ser. Porque, mais do que tudo, interessa-me o processo da formação moral. É com essa lente que observo a vida — vida na qual sempre fui uma vivente-expectadora. Os estudos de antropologia, história, arte, os passeios pela filosofia e, mais recentemente, pela psicologia e pela neurociência, sempre tiveram esse norte. A agulha da minha bússola está sempre apontada para a pessoa humana, naquilo que ela tem de mais específico.
Quase que intuitivamente, podemos dizer que o que subsume tudo isso é o tema da educação. E não à toa ganho a vida como dona de uma escola. Ali, posso ver a pessoinha crescendo, desabrochando, se desenvolvendo — cada uma com suas boas e más inclinações — e reagindo à influência dos pais, dos professores, dos coleguinhas. Sim, falar em formação da pessoa implica necessariamente falar em educação.
Hoje, portanto, quero apresentar a vocês o conceito de educação que me guia — e que fui aprimorando ao longo de todos esses anos de estudo. Não há como refletir sobre a formação da pessoa sem estabelecer as bases desse conceito. E sem lembrar que a educação da criança é o começo de tudo. Se você, hoje, está reavaliando a sua própria educação, precisará inevitavelmente refletir sobre o modo como seus pais e professores a conduziram, as influências que recebeu, as expectativas que foram criadas a seu respeito, as possibilidades de escolha que lhe foram apresentadas e como elas afetaram suas boas e más inclinações. E, sobretudo, como você respondeu a tudo isso. Começa lá, na mais tenra infância. Mas o que é, afinal, educação?
Chesterton escreveu que “educação é a alma da sociedade sendo transmitida de uma geração a outra”. Numa linguagem mais sociológica, diríamos que, no processo de educação, a geração mais velha transmite à mais nova os valores, as regras, os modos de pensar, agir e sentir da comunidade. Essa definição de educação é universalmente válida, pois diz respeito à relevância da educação como fenômeno humano. Em qualquer lugar, em qualquer tempo, a geração mais velha imprime na mais jovem a marca da cultura tal como ela própria — a geração mais velha — a assimilou e introjetou. A geração mais jovem, por sua vez, assimila os ensinamentos da mais velha à sua maneira. E é precisamente à diferença entre a visão da geração mais jovem e a da mais velha que chamamos de “inovação cultural”.
Essa perspectiva é importante, mas não resolve todo o nosso problema. Pois o processo de educação também precisa ser pensado a partir da relação que se estabelece entre quem educa e quem é educado.
O que acontece ali? Qual é o conceito de educação que nos permite compreender tanto o papel do próprio indivíduo em seu processo de formação quanto a relação educativa em si?
A criança é um indivíduo. Ao nascer, já possui uma configuração psicossomática e espiritual própria, única e irrepetível. Alguns elementos dessa configuração já se apresentam à nossa observação desde o nascimento; outros estão lá, em potência, aguardando o momento ou o gatilho oportuno para se atualizar. Porém, desde o início da vida, a natureza imanente da criança — ou seja, aquilo que ela é desde sempre, de forma já atualizada ou em potência — entra em relação com o meio e passa por um processo de reatualização contínua, que se prolonga até o fim da vida.
Sim, mudamos, nos transformamos, até o fim da vida. Existir é transitar entre o ser e o vir-a-ser. Porém, nesse processo de constituição, a infância possui uma relevância especial, uma vez que é nessa fase que o indivíduo acolhe as primeiras impressões do mundo e da vida, e recebe aportes fundadores do seu desenvolvimento como ser humano. Trataremos de tudo isso com calma em newsletters futuras, mas, por ora, quero apenas ressaltar o quanto é importante que o educador esteja atento ao seu papel na formação desses primeiros imprints.
“Educar” vem do latim ex-ducere, em que ex significa “fora” e ducere, “guiar”, “conduzir”, “liderar”. Não precisamos nos alongar muito no terreno etimológico, pois ele é apenas sugestivo para nós. Pois bem, inspirando-nos nessas raízes etimológicas, podemos começar dizendo que educar uma criança seria conduzi-la para fora. Mas para fora de quê? Para o mundo? Para fora de si mesma? E como se conduz uma criança para fora de si mesma?
A condução da criança é um movimento em dois sentidos: trata-se, ao mesmo tempo, de orientá-la no conhecimento da realidade e de ajudá-la a se elevar ao patamar mais alto de suas possibilidades. Os valores que servirão de parâmetro ao educador serão definidos por seu quadro de referências culturais — pois não poderia ser de outro modo. A criança será levada a progredir e a se elevar de acordo com os valores de uma comunidade espiritual que já existia antes de ela nascer. Aqui, como você pode ver, a perspectiva da educação como processo interindividual se conecta com a perspectiva antropológica. Lembra da frase do Chesterton, citada no início do texto?
Mas retornemos ao duplo movimento: para a frente (progresso) e para o alto (elevação). Podemos dizer que conduzir a criança nesses dois sentidos — na direção do mundo (conhecimento e ação) e no aperfeiçoamento de si mesma (desenvolvimento e excelência) — é ajudá-la em sua trajetória de auto transcendência. A criança bem-educada torna-se gradativamente capaz de manejar conscientemente a sua própria natureza, de modo que as boas inclinações se sobressaiam às más, num caminho que a leve às suas melhores possibilidades. Por isso, costumo dizer que
Educar uma criança não consiste em dominar a sua natureza, e sim em conduzi-la, gentilmente, para a frente e para o alto — ou seja, para o melhor de si mesma.
A boa educação leva a pessoa ao melhor de si — e isso inclui, necessariamente, a capacidade de se auto transcender. Por ora, apenas guardem a palavra auto transcendência; reservem para ela um espaço. Nós o que preencheremos nas próximas newsletters.
Um abraço a todos,
Cristiane
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Belo texto!