016. Como ajudar a criança a enfrentar desafios e assumir responsabilidades?
Esta é uma newsletter exclusiva do grupo de estudos Educação e Formação da Pessoa. Aqui, vamos falar de como ajudar a criança a praticar o Bem.
Na newsletter anterior, comentei que Aristóteles considerava a temperança e a fortaleza como virtudes da parte irracional da alma, por lidarem imediatamente com os desejos e sensações, com as perspectivas de prazer (apetites, desejos) e de dor (sofrimento físico ou afetivo). A temperança é uma disposição para a contenção, para o equilíbrio. Ela nos inclina a renunciar ao prazer imediato, a refrear impulsos e desejos, quando eles não nos conduzem na direção do Bem. A fortaleza, por sua vez, é uma disposição para a ação, que nos inclina a suportar a dor e o sofrimento para agir de maneira correta e digna. Seguindo esse modelo, que descreve a temperança e a fortaleza como disposições do caráter relacionadas ao manejo moralmente orientado das paixões, é muito natural que, nos primeiros anos de vida, quando a criança ainda é mais regida por seus afetos e impulsos imediatos do que pelo intelecto e pela razão, a ênfase recaia sobre o treinamento dessas duas virtudes.
Como já tratei longamente da temperança na newsletter anterior, passo agora a falar da fortaleza, a virtude cardeal que se relaciona com a coragem e a resiliência. Depois, voltarei à temperança, para relacionar esse par de virtudes com o ambiente em que se dá a formação da pessoa nos primeiros anos de vida.
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Antes de mais nada, é preciso lembrar que, quando falamos de virtudes, estamos falando de ação moral. E que quando falamos em ação moral estamos falando de ação pautada pelo Bem. O bem é o fim último a que queremos chegar, seja em nossas pequenas atitudes cotidianas, seja de maneira mais abrangente, como quando agimos tendo em vista uma finalidade maior ou mesmo todo um projeto de vida. E é nesse sentido, precisamente, que se faz necessária uma análise mais rigorosa do uso do termo “fortaleza”.
O primeiro ponto importante é que precisamos entender essa virtude não apenas como uma qualidade pessoal, dissociada de uma orientação moral. A noção de virtude está estreitamente informada por um ideal ético. Por exemplo, uma pessoa resiliente e destemida, pode, no entanto, não colocar essas qualidades a serviço do bem; sendo assim, a força que emana de sua pessoa e reverbera no mundo não é necessariamente virtuosa. A força só se torna virtude quando ela permite à pessoa superar o medo da dor e das dificuldades em nome de um fim que seja bom e justo. Tomemos o exemplo da coragem no combate: ela seria uma manifestação da fortaleza apenas na medida em está a serviço do bem, ou seja, desde que o combate seja justo. Caso contrário, trata-se de pura virilidade.
A virtude da fortaleza é aquela que, a despeito do medo, predispõe a pessoa a uma ação moralmente informada - ou seja, generosa, altruísta ou orientada para o bem. O medo pode ser ativado por uma imagem (real ou projetada) de padecimento físico ou espiritual, não importa. O que importa é que ele seja enfrentado em nome de uma boa causa. Uma pessoa que se furta a visitar um parente à beira da morte, porque não quer passar pelo sofrimento que a cena pode causar, é tão covarde quanto aquela que se furta à luta física para defender uma criatura mais frágil. Falta a ambas a virtude da fortaleza.
Outro ponto importante a respeito da virtude da fortaleza relaciona-se com a medida. Segundo Aristóteles, a fortaleza - ou a coragem, que é outra forma de se referir à fortaleza – ocuparia uma posição intermediária entre a covardia e a temeridade. Esse ponto é importante, porque é muito comum que se confunda coragem com audácia ou temeridade, sendo essa última uma insensibilidade ao medo, ou a cegueira diante dele. É fundamental explicar à criança que a pessoa corajosa não é aquela que não sente medo. Pois se uma pessoa não sente medo, que virtude há em agir prontamente frente ao perigo? Ela pode estar sendo simplesmente inconsequente. Os ignorantes, os bêbados, os loucos, podem não sentir medo diante de coisas que, de fato, são maléficas e representam ameaças reais. Assim, quando eles se precipitam na direção da ameaça, isso não significa, necessariamente, que estejam dando sinais de coragem.
Vou dar um exemplo pessoal de como esse tipo de esclarecimento pode ser importante na educação de uma criança.
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