015. A arte de guardar o equilíbrio: ou, como ajudar a criança a crescer na temperança?
Esta é uma newsletter exclusiva para o grupo de estudos Educação e Formação da Pessoa. Aqui, vamos falar de como ensinar a criança a escolher o Bem.
A educação na primeira infância - ou seja, até os seis anos de idade - consiste, principalmente, na formação de bons hábitos. Devemos levar nossas crianças à formação de bons hábitos corporais, linguísticos e morais.
Os hábitos físicos são aqueles relacionados ao corpo, à higiene, à alimentação, ao sono, à postura, à coordenação e força motora. Os hábitos linguísticos correspondem à interação comunicativa e compreendem as boas formas de falar, de argumentar, de se expressar. E, por fim, os hábitos morais são aqueles que chamamos de virtudes, ou disposições para o Bem.
É pela força do hábito que essas disposições se tornam parte da pessoa. É pela força do hábito que uma pessoa se torna capaz de agir conforme o Bem, independentemente de suas inclinações iniciais. Aristóteles deixou muito claro: as virtudes são aprendidas. Elas são matéria de educação e se formam como hábitos.
As inclinações iniciais de uma criança (sejam boas ou más) devem ser sempre levadas em conta. Desprezá-las é um grande erro, uma vez que elas podem tornar mais ou menos suave a sua caminhada em direção à vida boa. Porém, sem a força do hábito, sem o exercício cotidiano das boas disposições morais, mesmo a melhor natureza pode se confundir no meio caminho. Da mesma forma que uma educação em bons hábitos pode salvar uma criança de suas más inclinações.
Vou explicar melhor a dinâmica entre individualidade, hábito e virtude quando passarmos à discussão do hábito como estratégia pedagógica. Por ora, quero apenas chamar atenção para o papel que os bons hábitos desempenham no desenvolvimento moral da criança.
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Aristóteles apresenta a temperança e a fortaleza como virtudes da parte irracional da alma, por lidarem principalmente com os desejos e sensações, com as perspectivas de prazer (apetites, desejos) e de dor (sofrimento físico ou afetivo). Uma pessoa que se deixa dominar por suas paixões e que não consegue enfrentar as dificuldades e adversidades da vida terá mais dificuldades de transcender a si mesma em nome de valores mais elevados. Por isso, até o final da infância e início da adolescência, o papel do adulto é conduzir a criança de modo que ela cresça nessas duas virtudes principais. As outras duas virtudes morais cardeais – justiça e prudência – dependem da temperança e da fortaleza para se fortalecer como hábito. Como ser justo e prudente se não se é equilibrado e forte?
Além de dependerem da temperança e da fortaleza para se firmarem como disposições sólidas, a justiça e a prudência só podem se tornar habituais na medida em que a criança adquire um nível razoável de entendimento e conhecimento do mundo. Não estou falando de erudição, de estudo, e sim de uma capacidade de enxergar a realidade como ela é, e compreendê-la com inteligência, ou seja, estabelecendo o máximo de relações entre o que percebe e o que já aprendeu. Embora possamos observar, mesmo entre crianças pequenas, o germe de atitudes que poderiam ser classificadas como justas e prudentes, será preciso esperar até que elas cheguem a idade da razão, quando o juízo se estabelece como capacidade consistente, para que essas disposições se consolidem.
Por fim, para sermos mais precisos, também é necessário lembrar que mesmo a temperança e a fortaleza demoram a se desenvolver e consolidar como disposições confiáveis, robustas, pois, mesmo que o ambiente doméstico seja pleno de incentivos e bons exemplos, o exercício competente e autônomo dessas disposições também depende da maturação de certas estruturas psicofísicas de regulação das emoções e do comportamento. A diferença é que, sendo disposições relacionadas respectivamente à busca do prazer e à evitação do sofrimento, a criança encontra, desde os primeiros meses, objetos significativos para exercitá-las. A criança pequena já pode ser estimulada, gentilmente, a buscar dentro de si os motores da moderação e da força espiritual. A moderação na busca do prazer e a força para suportar as adversidades são as duas capacidades que permitem à pessoa transcender os seus próprios desejos e inclinações para direcionar a sua vontade para o Bem.
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Falemos agora, finalmente, da temperança.
Como conduzir a criança de modo que ela desenvolva ao máximo as suas disposições para o equilíbrio e o autocontrole frente às solicitações do desejo e do prazer?
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